As cartas tupis a que me refiro não foram escriptas por
individuo que conhecesse a lingua geral. Verifica-se do exame
feito que esses documentos foram redigidos sob dictado; e
como quem os escrevia não sabia a lingua, as palavras sahiram
mutiladas e, esphaceladas as syllabas, passaram estas a formar
palavras extranhas de uma lingua absurda e incomprehen-
sivel.
A julgar pelo modo por que taes cartas se escreveram quem é que poderá reconhecer, por exemplo, nas palavras que se seguem :
Asar maseos bar ōesas signu lados,
o primeiro verso dos Lusiadas de Camões?
« Frei Manuel do Salvador affirma que D. Antonio Felippe Cama-
rão não só sabia ler e escrever, como possuía os rudimentos do latim [1].
Nenhuma razão temos para duvidar do testemunho do autor do Vale-
roso Laurideno. De documentos hollandezes consta que em cortas aldeias
o mestre escola era indio, taes mestres deviam pelo menos saber ler e
escrever na sua lingua materna. Porque não o saberiam tambem os
dous Camarões, educados desde a sua mocidade pelos Portuguezes ?
E por que não haviam de escrever em tupi aos seus parentes, que aban-
donaram a cauza dos moradores para se lançarem com o inimigo? »
« A leitura destas cartas nos confirma no presupposto de que foram escriptas ou pelo menos dictadas por aquelles a que são attribuidas. »
« Ellas tem um cunho quo de algum modo authentica a sua proce-
dencia : aquellas phrases infantis, desconnexas, a repetir monotona-
mente o mesmo pensamento, devem ter sido concebidas pelo espirito
de um potiguar.
« Em uma outra hypothese. as cartas em questão são preciosos textos para o philologo que se dedica no estado do tupi da costa, de que, afóra algumas orações, vocabularios e grammaticas compostas pelos padres jesuitas, restam-nos mui poucos monumentos. » [2]
Attendento a estas considerações do nosso pranteado mestre e amigo,
deliberanos publicar aqui as referidas cartas; para este fim recopia-
mo-las, bem como as traducções hollandezas de Johannes Eduards, pas-
samos estas para o portuguez, e submettemos tudo à apreciação compe-
tentissima do illustre Dr. Theodoro Sampaio, um dos melhores sabedores
actuaes da lingua tupi. A’ nimia gentileza deste nosso eminente confrade
devemos o substancioso trabalho que se vae ler.
Alfredo de Carvalho.