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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

Envio-te teu irmão mais velho, o Capitão Diogo da Costa, para levar minha carta agora. Mando para aí (também) teu irmão mais novo, o Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro, para apoiar vocês, sendo eu cristão e pai verdadeiro de todos.

Nossas antigas terras, nossos velhos ritos, tu com esses nossos parentes paraibanos, os de Cupaguaó, os de Uruburema, os de Jareroí, os de Guiratiamim, todos os antigos filhos dos habitantes da caatinga, tudo e todos estão sob as leis dos insensatos, assim como teu corpo e tua alma também estão.

Para que tu não continues a prejudicá-los, como costumas fazer, estas minhas palavras eu te mando para que tu saias de perto dos (holandeses), homens ruins. Portanto, tu hás de dificultar a retirada de toda a nossa gente deles? Não é difícil, não que tu saias com eles, se tu o quiseres. Portanto, evita estar segundo a lei desses nossos parentes insensatos, desgraçando-te muitíssimo. Também envio para aí esse teu irmão mais novo, Dom Diogo Pinheiro, se tu saíres para longe dos (holandeses,) homens maus, para que te salves.

Assim, antes de saíres, que faças teu irmão ficar bem, (deixando-o são e salvo). Portanto, traze teu avô, o velho Araruna, teu pai Jaguarari, todos os outros parentes nossos, fazendo-os sair contigo daí. Se tu fizeres isso para El Rey, será uma ação muito grandiosa de ti.

Eis que estou junto a ti para apoiar tua ação, que será desgastante. Tu viverás futuramente não como os homens maus te trataram.

Portanto, crê em minhas palavras. Todos os moradores te elogiam para mim, ficando eu muito feliz por isso.

Minhas palavras a ti são somente estas. Que o Senhor Deus te ajude em tudo o que fizeres.

Hoje, 4 de outubro de 1645.

O substituto de todos os nossos pais,

Teu irmão mais velho,

Capitão-Mor Camarão


TRANSCRIÇÃO COM TRADUÇÃO JUSTALINEAR ANOTADA

Pa’i Tupana || Que o Senhor Deus

kó xe papera[1] || esta minha carta

t’ogûerosy[2]katu || faça chegar consigo,

nde marane’yma supé[3] || para tua conservação,

xe rorybagûama resé. || para minha alegria futura.

Ixé ã ké, || Eis que eu, aqui,

Vargem pupé, || na Vargem,

xe rekoápe[4], || na minha morada,

na xe marani nhẽ || eu não [estou] mal, de fato,

endébe || a ti

ma’e || as coisas

monhangagûama resé, || para fazer

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  1. Papera, do português ‘papel’, assume o sentido de ‘carta’, ‘escrito’, em tupi antigo.
  2. T’ogûerosyk, ao se compor com o modificador circunstancial katu, sofre apócope do k.
  3. A posposição supé está sendo usada aqui com o sentido de finalidade, o que não ocorria no tupi quinhentista, denotando a transformação da língua.
  4. Ao encontrar a sílaba ba em xe rekoaba, a posposição -pe provoca sua apócope: xe rekoá-pe.