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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

nde raûsupara ra’e[1] || teu amigo, conforme dizem,

nde nhe’engûera || tuas palavras que foram (i.e., as que disseste)

ogûerur || fez vir consigo

i xupé, || para junto dele

i mombegûabo || contando-as

a’e rupibé. || conforme elas [são].

Nde ryke’yra || Teu irmão mais velho,

Capitão Diogo da Costa, || o Capitão Diogo da Costa,

aîmondó endébe || envio a ti

xe papera rerasóbo || minha carta fazendo ir consigo

ko’y ã[2]. || agora.

Nde rybyra[3], || Teu irmão mais novo,

Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro, || o Sargento-Mor Dom Diogo Pinheiro,

aîmondó || envio

ebokûé koty || para aí

opabenhẽ pe resé, || por todos vocês,

opabenhẽ pe rubetéramo || de todos vocês como pai verdadeiro

gûitekóbo é, || estando eu, na verdade,

cristãoramo. || [e] na condição de cristão.

Nhandé rupagûera, || Nossos antigos pousos[4],

nhandé rekomonhangagûera, || nossos velhos ritos,

endé abé, || tu também,

ã nhandé anama || esses nossos parentes

Paraibygûara, || paraibanos (habitantes da Paraíba),

Kupagûaoygûara[5], || os (habitantes) de Kupagûaó,

Uruburemygûara[6], || os (habitantes) de Uruburema,

Yareroîygûara[7], || os (habitantes) de Iareroí,

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  1. ra’e – partícula que significa ‘dizem’, ‘conforme dizem’, ‘dizem que’: Osó ra’e. - Dizem que foi (Valle, 1952, Vol. 1, p. 104).
  2. Esta partícula ã assinala o presente ou o futuro, com a 1ª e a 2ª pessoas, excluindo a possibilidade de passado, sendo reforçada pelo uso de ko’yr, ‘agora’.
  3. Ybyra (t) designava o irmão mais novo de um homem. Não parece que, de fato, Diogo Pinheiro fosse verdadeiro irmão de Pedro Poti. Como já foi dito antes, era comum entre os índios essa forma de tratamento.
  4. Nhandé rupagûera - O substantivo upaba (t-) deriva do verbo îub / uba (t-, t-), ‘estar deitado’, ‘jazer’, ‘estender-se’. Com efeito, os tupis da costa eram nômades, migrando constantemente. Talvez, por isso, o autor da carta tenha preferido tal termo a ekoaba (t), morada. Upaba (t-) pode também ser um velho jazigo, uma antiga sepultura (no caso, talvez, a sepultura dos antepassados, que estariam, então, em terras sob o domínio dos holandeses).
  5. Kupagûaoygûara – topônimo Kupagûaó + sufixo -yguar, que expressa procedência, naturalidade, estância: ‘o que é de’, ‘o que está em’; ‘o habitante de’, ‘o natural ou o morador de’ + sufixo nominalizador -a: ‘os moradores de Cupaguaó’. “Cupaguaó era nome de uma região no sertão de Pernambuco para onde Feliciano Coelho de Carvalho, capitão-mor e governador (1592/1595-1599/1600) da Paraíba, . . . . planejou guerra contra os nativos inimigos” (Jaboatão, 1858, Vol. 2, p. 77). Não parece ser nome tupi.
  6. Composição de urubu + rem (‘urubus fedorentos’) + sufixo -ygûar-a.
  7. Composição de y(g)ar – ‘canoa’ + verbo eroîyb – ‘fazer descer consigo’, ‘descer com’, ‘descarregar’: ‘descarregamento de canoas’ + sufixo -yguar + sufixo nominalizador -a: ‘os moradores do (lugar de) descarregamento de canoas’.